
Por Drª Patrícia Pontes | Médica Geneticista – UFBA – Fellowship em Neurogenética e EIM – HC-FMUSP – Fellowship DASA Genômica
A epilepsia é uma das doenças neurológicas mais comuns e afeta cerca de 10% da população mundial. Sua incidência tem uma distribuição bimodal, sendo maior entre os lactentes e indivíduos com mais de 65 anos.
As crises epilépticas ocorrem quando há uma atividade cerebral anormal, gerando uma hiperexcitabilidade neural em uma parte ou na totalidade do encéfalo, seja por comprometimento na formação das redes neuronais ou por perturbações devido a um distúrbio estrutural, infeccioso ou metabólico.
Classificação
As classificações das crises epilépticas, epilepsia e síndrome epilética são definida pelo ILAE (International League Against Epilepsy) de 2022 e, baseado nisso, é possível nortear o diagnóstico e tratamento adequado.
Inicialmente, é necessário estabelecer o tipo de início da crise epiléptica, seja de início focal, generalizado ou desconhecido. Para isso, é necessário ter uma história clínica detalhada e um relato confiável de uma testemunha ocular. O termo “desconhecido” será empregado para os casos em que não há informações disponíveis para realizar a classificação.

No segundo momento, deve-se classificar a epilepsia como Epilepsia Focal, Epilepsia Generalizada, Epilepsia Focal e Generalizada Combinada e Epilepsia Desconhecida. Conforme o conceito de 2014, será considerada epilepsia se o indivíduo apresentar (1) duas crises epiléticas num intervalo maior que 24h; (2) uma crise não provocada com lesão estrutural evidente em exame de imagem ou eletroencefalograma (EEG) sugestivo ou (3) presença de uma síndrome epiléptica.
- As Epilepsias focais incluem distúrbios unifocais e multifocais, bem como convulsões envolvendo um dos hemisférios cerebrais, sendo elas crises focais com nível de consciência preservado, crises focais com comprometimento da consciência, crises focais motoras, crises focais não motoras e crises tônico-clônicas focais.
- As Epilepsias generalizadas podem ter uma variedade de tipos de crises, incluindo crises de ausência, mioclônicas, atônicas, tônicas e tônico-clônicas.
Para ambas condições, o diagnóstico é clínico e apoiado pelo achado de descargas interictais típicas no EEG.
Por fim, deve-se tentar definir a síndrome epiléptica, a exemplo da síndrome de West, síndrome de Dravet e síndrome de Lennox-Gastaut. Síndrome epiléptica é considerada um conjunto de características clínicas e eletroencefalográficas, geralmente com achados etiológicos específicos – estruturais, genéticos, metabólicos, imunológicos e infecciosos – e uma variabilidade de comorbidades.
As síndromes epilépticas com início neonatal e em lactentes são divididas nos seguintes grupos:
– Síndromes epilépticas autolimitadas, em que provavelmente haverá uma remissão espontânea.
– Encefalopatias epilépticas e do desenvolvimento, em que são caracterizadas pelo comprometimento do neurodesenvolvimento relacionado tanto à etiologia subjacente e independe da atividade epileptiforme quanto pela encefalopatia epiléptica. Representa a maioria das síndromes de etiologia conhecida que se iniciam no período neonatal ou infantil e o diagnóstico confirmatório será a partir da realização do teste genético.
Etiologia
As etiologias da epilepsia irão variar de acordo com a faixa etária. Em crianças, as etiologias mais comuns são genéticas, insultos perinatais e malformações no desenvolvimento cortical. Em adultos, caso não possuam uma predisposição genética para epilepsia, as etiologias mais comuns são encefalite/meningite, traumatismo craniano e tumores cerebrais. Em pacientes idosos, a epilepsia geralmente é decorrente de distúrbios neurodegenerativos primários, traumatismo craniano e tumores cerebrais. Entretanto, cerca de 40% dos casos podem não ter uma causa definida.
Quando solicitar teste genético para epilepsia?
Atualmente, os testes genéticos são ferramentas importantes para o diagnóstico e a personalização do tratamento de muitas formas de epilepsia, por isso, sempre é importante descartar as causas genéticas tratáveis.
Deve-se considerar a realização de teste genético por sequenciamento de nova geração, a exemplo do painel de epilepsia ou Exoma completo com análise de DNA mitocondrial nos pacientes com epilepsia e as seguintes condições:
- Todas as formas de encefalopatia epiléptica e do desenvolvimento,
- Crises de difícil resposta ao tratamento medicamentoso,
- Atraso do desenvolvimento neuropsicomotor,
- Regressão dos marcos de desenvolvimento,
- Deficiência intelectual,
- Autismo,
- Achados eletroencefalográficos sugestivos de alguma síndrome epiléptica,
- Suspeita de alguma síndrome genética que seja possível identificar por essa tecnologia,
- Histórico familiar sugestivo; relato de consanguinidade parental/endogamia.
Para as condições associadas a malformações em outros sistemas, outros testes podem ser cogitados, como cariótipo, análise Cromossômica por Microarray (SNP-Array), análise de metilação, entre outros, a depender da suspeita clínica. Consulte um médico geneticista para auxiliar na investigação diagnóstica e na seleção do exame mais indicado. “
Prognóstico
A maioria das epilepsias tem um bom prognóstico para controle total das crises e eventual descontinuação de drogas antiepiléptica, entretanto, as síndromes epilépticas possuem diferentes resultados e respostas seja por tratamento medicamentoso quanto por dieta cetogênica a depender da indicação.
Conclusão
O conhecimento atual sobre etiologia, diagnóstico e tratamentos para epilepsia está em constante evolução. O diagnóstico de uma síndrome em um indivíduo com epilepsia frequentemente traz implicações prognósticas e terapêuticas e os exames genéticos vem contribuindo para melhor elucidação dos casos de etiologia genética.
Referências
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